Tenho o privilégio de morar próximo a um cinema que em sua volta tem uma praça de alimentação ao ar livre. Considero lá um lugar mágico, porque a poucos passos de ruas movimentadíssimas, dentro de um centro comercial com grande fluxo de pessoas, existem árvores, bancos de madeira, rodeado por um pequeno corredor no chão que termina num espelho d’água, com aquele barulhinho de cachoeira. Como no local também existe uma filial de uma grande livraria, sempre que posso dou uma escapadela até lá. Num dia desses, saí do cinema após assistir “A Troca” e sentei num dos bancos à sombra de uma árvore para tomar um café e organizar os pensamentos pós-filme. Fiquei pensando em como deve ser difícil ter pessoas queridas que desaparecem – tema do filme – sem deixar o menor indício de como, onde e o que é pior: porque. Já conheci moradores de rua que eram pessoas como eu ou você, com casa, família, vida estabilizada e um belo dia simplesmente deram as costas a tudo isso e mais um pouco em troca de uma única coisa: a liberdade. Você pode se perguntar: “Liberdade? Mas passar necessidades na rua é sinônimo de liberdade?” – E eu rapidamente respondo: “Sim, é.” – Para muitas pessoas a vida familiar nada mais é que uma prisão. Algumas atitudes às vezes são difíceis de ser entendidas por quem não vive esta ou aquela situação, como o suicídio, a troca de identidade, dentre outras. Ir morar na rua passa a ser melhor opção do que agüentar determinadas pessoas ou situações. Mais uma vez, escolhas. Não cabe a mim julgar se isso é certo, errado, se as pessoas não conseguiram superar seus medos, desavenças, etc. Mas sempre penso na história de cada indivíduo que encontro na rua como mendigo, pedinte, andarilho. Uma vez caminhava e um mendigo desses bem cabeludos, barbudos e pra rimar – “sujo” – me abordou. Pensei em não dar atenção, em continuar andando, mas parei. Parei e OLHEI pra ele. Sabem o que aconteceu? Ele me disse: “Eu queria te desejar um bom dia porque observei você andando e vi que você está feliz. Que seu dia continue assim...” Fiquei estupefata. Não esperava esse tipo de frase. Preconceito? Talvez, - até esse dia - mas eu não esperava. Sorri, meio amarelo e ele riu também, mostrando dentes alvíssimos, que contrastavam com todo o resto. Eu agradeci e desejei o mesmo. Ele simplesmente sorriu novamente e se despediu acenando e voltando a caminhar. Fiquei ali, parada, alguns minutos, pensando que nunca mais eu deixaria de olhar alguém maltrapilho nos olhos. Qual seria a história por trás dos dentes alvos? Não sei, mas juro que gostaria de saber. Mas o que isso tem a ver com a praça do começo desta história? Bem, estou lá sentadinha observando dezenas de passarinhos que ficam de olho nos restos de comida que as pessoas derrubam no chão. Desnecessário dizer que são passarinhos bem gordinhos, maiores que os comuns, digamos, super pardais! Uma moça vem caminhando distraidamente pela alameda e dois passarinhos estão no chão, bicando migalhas de pão. Ao ver a cena a mocinha dá um pulo pra trás, assustada e resmunga: “Credo, que medo desses passarinhos nojentos...” E eu ali pensando: “ Puxa, ainda existe quem tenha medo de passarinhos, animais, gente, plantas. Para quem gosta de liberdade isso deve ser mesmo uma tortura, afinal nós mesmos é que construímos nossas prisões. Felizes os passarinhos.” Cada um só revela aquilo que tem dentro de si e assim observa o mundo à sua volta. Simples assim.
8 comentários:
E há tanto sobre liberdade a aprender com pardais, maritacas e bemtevis. Lembrei do Quintana:
"Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!"
Grande beijo, querida.
Olá!
Interessante a sua colocação, e claro que você está certa ao dizer que nós mesmos nos encarregamos de construir nossas prisões.Percebo sua sensibilidade e seu amor por tudo que é vivo;se bem que é uma redundância, e?Toda pessoa sensível ama a vida.
Parabéns pelo blog.
Fica com Deus
Que texto show! É um texto tão bem escrito e fechadinho que fica difícil acrescentar mais alguma coisa. Acho que direi que penso muito na história que existe por trás dos mendigos, sempre penso nisso quando vejo um. O que o levou a chegar ficar assim.
Parabéns pelo post!
Beijocas
Eu tenho sempre o azar de encontrar pela rua, mendigos completamente bêbados e loquiando pela rua. Daí, eu tenho medo mas, adoraria saber a história deles.
E vou te dizer que, as piores prisões que existem, são aquelas as quais nos encarceramos.
Show esse post!
Bjão!!!
Adorei! Adorei!
Eu sou imã de moradores de rua, bêbados e velhinhos na fila de qqr lugar. Existe muita carência por aí.
É legítima qqr forma de ser feliz, se não for atrapalhar outrem.
Gostei muito do que escreveu.
Abraços.
Feliz Ano Novo!!
Carla, parabéns pelo belo texto sobre liberdade e escolhas.
Ainda há muito que se resolver, decidir, viver antes que o ser humano esteja limpo de preconceitos, muitas vezes irracionais. Enquanto isso o que podemos fazer é tentar deixá-lo de lado e fazer o que for necessário para que isso acabe.
Tenha um bom dia! :)
Ah, é bem verdade tudo o que você disse. Por mais que amemos nossa família, de vez em quando vem aquela vontade de evasão... de fugir pra longe de todos e viver do jeito que quiser, sem regras... apenas respeitando os outros.
Que bom ter um canto desses pra pensar em coisas da vida... faço isso na praia.
òtimo texto :)
=**
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