sábado, 18 de outubro de 2008

MESA DE BAR

Gostava de bons restaurantes. Não no sentido de chique, de luxo, de requinte. Podia ser um boteco perdido no mapa, mas que a comida fosse boa, a bebida idem e a companhia, bem, essa de preferência que variasse. Gostava de sentar numa mesa onde tivesse visão panorâmica do lugar. Não pra ser visto ou encontrado, mas para simplesmente observar. Mesmo acompanhado gostava de olhar a sua volta. Fragmentos de conversas então o fascinavam. “- Olha aquele cara ali... Acho que está dando bola pra você! Não vira agora, ele tá olhando pra cá...” “- Eu disse pra ele: Você tá errado cara! Vai se f...! Você ta pensando o que? Que aqui é a porra da sua casa onde até o cachorro manda mais que você?” “- Humm, que delícia...! Vou engordar uns dez quilos depois desse prato, mas o que importa é ser feliz!” Sempre conhecia um ou outro garçom do lugar. Achava simpático ser reconhecido. Nunca quis bem saber o porquê, afinal caixinha ele não dava. Talvez fosse porque bebia muito, talvez porque entendia o drama dos garçons, horas em pé, servindo sem reclamar, afinal “cliente sem pré tem razão” – mesmo os chatos e bêbados. A menina na mesa ao lado, acompanhada de dois amigos já estava pra lá de Bagdá. Abria alguns botões da blusa, tal como a música e passava a mão no colo, provocante. Os caras ali, babando, já pensando em sacanagem, mas ela entre bêbada e esperta, ia sacaneando ainda mais os trouxas. Coisa que mulher sabe fazer bem. Mais ao fundo um grupo comemorava alguma coisa; podia ser aniversários, promoção ou simplesmente nada. O fato é que tudo era motivo para brinde: “Viva o chefe!” – “Viva o garçom!” – “Viva as empadinhas!” – berravam. As empadinhas eram mesmo uma delícia. Enquanto bebia o chopp bem tirado vagarosamente, olhava de rabo de olho, duas meninas caçando. É caçando, tinha certeza. Olhavam tudo e todos, com aquela ar blasé, de quem está muito mais interessado do que aparenta. Ele não ia levantar dali e ir até elas. Não estava com vontade de sorrir, contar uma bobagem qualquer para impressionar, ser simpático. Se quisessem vir até ele, muito bem. Afinal as mulheres não mudaram? Ele preferia ficar ali, observando. Do lado de fora, pelo vidro, um garoto de rua fazia caras e bocas para o casal sentado do lado de dentro. O casal se fingia de mortos. Não era com eles. O moleque lá com cara de cachorro sem dono, a fome esmiuçada nos olhos, beliscando os filés aperitivos do prato com a testa. Chamou o garçom: “Faz um favor: leva essa empadinha pra aquele menino ali e um guaraná também.” O garçom olhou pra ele meio ressabiado, com aquela cara de “cada um que me aparece...” e foi. Afinal o cliente sempre tem razão. O moleque nem quis saber de onde veio a encomenda, saiu pela calçada comendo com a lata de guaraná numa das mãos. O casal pareceu respirar aliviado. Ele sorveu mais um gole. Já estava naquela frágil euforia etílica onde as coisas já não têm a mesma importância da sobriedade. Pediu a conta. O garçom trouxe junto mais um chopp. Por conta da casa, afinal ele era freguês. Agradeceu. Tomou em três grandes goles. Enxugou a espuma do bigode com a mão. Pegou uma moeda do troco e se levantou em direção à saída. No caminho deu os parabéns ao grupo que comemorava que o olhou com caras de dúvida. Elogiou a menina dizendo “Bela camisa, hein?” – e arrancou um sorriso dela com cara de vem que tem. Na mesa das caçadoras jogou dois cigarros. Quem sabe assim conseguiria fazer com que elas pelo menos arranjassem alguém pra conversar. Pelo menos podiam pedir o isqueiro, ou o fogo, duas coisas bem diferentes. Ao passar pelo casal tirou a moeda do bolso e jogou na mesa. Eles olharam meio estupefatos. Ele disse: “Guardem, vocês podem precisar um dia.” E saiu. "Nada como fazer o que se tem vontade" pensou, enquanto assobiava “Com que roupa...”.

Um comentário:

Robson Schneider disse...

Sou um observador inveterado quase um voyeur da alma e comportamentos alheios.
Adoro observar as pessoas e perceber os universos que vão e vem diariamente, claro que isso incomoda muita gente, especialmente aquelas as quais convivo, pois o mundo é cheio de esfinges que não querem ser decifradas.
Bj

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