terça-feira, 1 de dezembro de 2009

VOLUNTARIADO

Passei o último domingo visitando um asilo. Homens e mulheres, separados, mas juntos no abandono, na solidão.

Já participei de muitos trabalhos voluntários, mas asilos e orfanatos agregam tantas diferenças entre nascimento e finitude que é impossível não sairmos de ambos revendo nossas próprias vidas. Ou maneira de viver...

Em entidades públicas ou do Governo, sempre falta um pouco de tudo. Do material ao sentimental. Em mutirão podemos sempre nos unir e prover por algum tempo os bens materiais: fraldas, alimentos, remédios, etc. Já quando entramos na esfera dos sentimentos...qualquer ajuda é bem-vinda e aceita.

Mesmo não sendo novata na área, o que mais me dói é a despedida. Invariavelmente cronometro os minutos que faltam para, quando ao abraçar alguém, ouvir a seguinte frase: “Agora que você já aprendeu o caminho, não deixe de vir me visitar...” Impossível não lembrar da minha casa bonitinha, da minha cama quente, da minha família unida, dos meus animais me esperando felizes, enfim, EU TENHO UM LAR PARA ONDE VOLTO E SOU ACEITA. Não há explicação, dinheiro, palavras que exprimam o valor dessa frase.

Nesse asilo que fui, conheci um casal, juntos há cinqüenta anos completados no mês passado. Ele, vítima de um derrame, caminha a passos de centímetros, enquanto ela o acompanha de cabeça baixa, não escondendo a tristeza, mesmo após eu lhe dar um grande abraço e ela me sorrir dizendo: “Muito obrigada, era o que eu estava precisando...” A velhice é inevitável para todos nós. Mas após uma vida de lutas, de juventude, de prazeres ou trabalho (ou ambos), não poder escolher sua própria comida, não fazer seus próprios horários, ter que dividir o quarto com pessoas estranhas (e que compulsoriamente, passam a fazer parte de sua rotina), ter sua intimidade devassada, não é mole, não.

Durante a visita, houve um show de sax e o senhor do casal acima, chorava copiosamente durante toda a apresentação. Ninguém entendia nada, mas também não ousaram perguntar. Ao final do dia, ao acompanhá-los para seus quartos – sim, agora eles dormem separados (normas da casa) – eu descobri o mistério. De braço dado comigo a fim de se apoiar melhor, o senhor insistiu que eu o levasse até o final do corredor (cerca de vinte metros) para que ele se despedisse da esposa, que agora mora no andar de cima. Enquanto caminhávamos, ele me contou que havia adorado o show, pois trabalhou a vida inteira tocando numa orquestra...

Num dos poucos intervalos do trabalho, conversei com uma das funcionárias e perguntei sobre o Natal e o Ano Novo que se aproximam. Com o olhar perdido e os olhos cheios de lágrimas, ela me disse apenas: “É triste, muito triste.” – Perguntei quem cuidava dos idosos e ela rapidamente respondeu: “Nós mesmos. Trazemos nossas famílias e fazemos o Natal aqui, porque senão, quem vai ficar com eles nesses dias? As famílias não aprecem o ano inteiro, você acha que eles vêm nessas datas?”

Perguntei também qual a história mais tocante que ela já havia presenciado trabalhando ali e ela me contou que anos atrás, naquele mesmo bairro, havia um homem que chamarei de Pedro, que era dono da maior sorveteria da área. Todos os dias ao chegar para o trabalho, Pedro encontrava um mendigo deitado na porta do estabelecimento. Reclamava, gritava, expulsava o mendigo quase que todos os dias, sem resultado. Um dia, cansado de tanto chamar a atenção do mendigo sem resultado, Pedro enche um balde de a´gua de um dos freezers que estava descongelando e sem pensar duas vezes, joga no homem que dormia bêbado à sua porta.

Seis meses depois, o asilo recebe o mendigo que se recuperava de uma pneumonia adquirida há meses atrás, já que o hospital onde permaneceu internado por quase meio ano, não tinha mais vagas. O mendigo se recuperou e passou a ajudar nos trabalhos domésticos do asilo, em retribuição. Três meses após sua completa recuperação, o asilo recebe um novo morador, trazido pelos filhos que diziam não ter “condições” para cuidar do pai em casa, vítima de um derrame que o deixou completamente paralisado, cadeirante e sem fala. Era Pedro. Hoje, quem empurra a cadeira de Pedro e o ajuda nos cuidados diários é o mesmo mendigo que um dia levou um banho de água gelada...

Muitas são as histórias que ouvi, os abraços que ganhei, o ficar de mãos dadas, assim, em silêncio, com pessoas até então desconhecidas. Energia para muito tempo, agradecimento para todos os segundos de minha vida e lembranças. Lembranças e saudade de todos aqueles que já passaram em minha vida, dos que fazem parte dela e pelos que ainda virão. Realmente, só tenho a agradecer pela oportunidade que a vida me deu para que eu não esqueça o que eu tenho e quem eu sou.

9 comentários:

ML disse...

Carla, você quer conhecer a vida tão a fundo que vai por caminhos que tantos - como eu - nem tentam ousar.
Porque sei que, no fim das contas, o fardo a gente carrega quando sai do "mundo cane", né?
Acho lindo, mas fico aqui na minha teoria, acompanhando a vida como se fosse um filme.
Parabéns pelo C maiúsculo, de Carla e de coração.
Muitos bjnhs

PS: o post da casa canina está lá - com um super obrigada, claro.

Cris Medeiros disse...

Jesuuuuus!! Que post é esse? Foi pra me deixar em lágrimas como estou agora... rs

É, chorei um bocado lendo isso aí... A velhice é algo que mexe comigo demais, não só pelo fato que já comentei no meu blog, que é a perda da beleza física, mas por tudo que acompanha essa fase da vida, que pra maioria das pessoas vem com doenças e solidão... Nossa! Que post lindo e cheio de sensibilidade!

Beijocas

Cris Animal disse...

Oi Carlinha !
valeu pela força em Gaia....rs
Esse mundo é uma imensa bola gigante que se move e atualmente se desfaz em maldade e pouco caso; às vezes pensar diferente é ser cego. Contudo, só pensar assim parece derrotismo.
O que pensar?
O homem ignora o da sua espécie e faz dele "objeto" descartável.
Vc sabe que minha luta e todo meu tempo é direcionado aos animais, mas nunca deixei de contribuir financeiramente para ONGs direcionadas à crianças, mas idosos a minha mãe faz essa ´parte com o marido e lava a minha alma...rsrsrsrs
Sério, demais o que vc fez. Não sei se com gente eu teria a mesma habilidade que tenho com bichos.

Beijoooooooooooooo!
Saudade de vc !

Francisco disse...

Amiga querida!
Fazer o que vc fez, é a melhor maneira de enxergarmos a vida por outro angulo. Ou seja, constatarmos que tudo não se resume a beleza física, dinheiro, poder e muito menos saúde e vida eterna.
Todos somos finitos, e alguns infelizmente passam por situações muitas vezes provocadas pela própria família.
É triste!
Fiquei feliz e orgulhoso de vc!
Beijãozão!

lpzinho disse...

Oi amiga maior... Carla, parabéns pelo post, vou na mesma linha de pensamento da Dama de Cinzas... post perfeito, que emociona, mexe e pede ao coração da gente que se sensibilize mais com a vida e suas possibilidades! Trabalhei com voluntariado por algum tempo e vejo nisso a grande chance do mundo se tornar melhor.
Parabéns pelas tuas palavras e obrigado pela sua amizade preeciosa..q se não é grande em contatos é gigante em importância!
Beijos do seu pequeno amigo e se cuida viu!

Cara de 30 disse...

É... Não ouso comentar sobre quem faz isso com seus familiares. Sério. Eu vi uma dessas histórias e acabou com a senhora morrendo de desgosto. Morrendo no sentido literal da palavra. Simplesmente não aguentou o descaso do filho, da nora - diga-se de passagem, a principal responsável por tudo, e da neta.

É muito triste realmente.

Teresa Cristina disse...

Menina...quando pensamos que já vimos de td nesta vida....a vida vem com suas inumeras oportunidades de viver e aprender e nos mostra que só pudemos sentir um pouquinho do q ela ainda tem a nos ensinar.
Obg por compartilhar a sublime lição de viver a vida.
bjss no ♥

Saulo Prado disse...

Carla, seu texto mecheu muito comigo pois, tenho consciência da minha responsabilidade com o próximo, mais me tranco em meu mundinho, queria muito ter sua força e sua coragem. Eu acredito fielmente que a caridade é o único caminho para a humanidade...

Continue sempre sendo este bom exemplo...

Tenha um lindo final de semana!!!

lpzinho disse...

Oi minha amiga querida! Que saudade de vc, sabia? Eu ando sumido, ausente... e espero então q me perdoe.
Na verdade a net não tem me atraído mto não.. Orkut falido, Facebook confuso e chatinho.... Twitter nem sempre é legal e cansa... e claro, o BLOG.. ando sem tempo, pique ou paciência!
Bem... mas cá estou pelo menos pra te agradecer pela simpatia e amizade... aliás... OBRIGADO mesmo viu amiga maior! Um gde beijo com carinho e se cuida!!^^

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